sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Mitos sobre a doença falciforme na Àfrica.

   Uma das histórias mais conhecidas relacionando a evolução humana e a anemia falciforme se refere à palavra ogbange muito difundida na África e que indica reencarnação de um processo maligno (entenda-se, no caso, como a anemia falciforme). Assim, referia-se a uma criança doente, com as características típicas da anemia falciforme: icterícia, fraqueza, dores articulares, inchaços das mãos e pés, úlceras de pernas, etc., como criança-obgange. Esse fato era tido como um espírito que atormentava crianças de determinadas famílias – fato que relacionava-se com a hereditariedade da doença. De acordo com Konotey-Ahulu, de Gana, médico que estudou profundamente o comportamento de doentes com anemia falciforme, a doença já era conhecida por várias gerações de pessoas da região ocidental da África, onde a anemia falciforme recebia nomes com significados relacionados à dor, icterícia, inchaços das mãos e pés, etc.
 – Lista de palavras africanas para se referir às características da doença falciforme (dor, úlceras, inchaços, etc.) em diferentes dialetos.
Palavras de referência à DF (1)
Chwe-Chwe-Chwe (2)
Nwii-Nwii (2)
Amosani (3)
Aju-oyi (4)
Nui-Dudui (2)

*(1) DF: Doença falciforme;(2) Imitação do choro de criança provocado por dor;(3) inchaços;(4) dor aguda.

Os estudos realizados em vários grupos étnicos de Gana revelaram que a anemia falciforme já era conhecida, com certeza desde o século 15, com particularidades que se caracterizavam por: crises agudas de dor nos ossos e nas articulações, e tendência familiar. Pelo fato dos pais serem aparentemente normais, difundiu-se o conceito do espírito do mal que reencarnava somente em crianças. Em outras regiões da África não foi possível estabelecer as características típicas da anemia falciforme quanto ao evidenciado entre as populações de Gana. Na Nigéria, maior nação africana, a anemia falciforme permaneceu desconhecida como doença de especificidades típicas até meados do século passado. Embora os vários dialetos nigerianos sejam ricos em palavras e expressões que descrevem vários dos sintomas comumente encontrados na anemia falciforme, esses termos não são, entretanto, específicos dessa patologia. No dialeto Haussa as expressões como rashin jini (falta de sangue), ciwon gá bó bí sai sai (dores nos ossos e articulações) e rashin kuzari (falta de energia), são freqüentemente usadas em relação à anemia falciforme pelos doentes, seus parentes e curandeiros tradicionais. Entretanto, o uso corrente destas expressões nunca foi associado à uma doença específica como a anemia falciforme. Esse drama humano, baseado no sofrimento impingido por um "castigo" devido à reencarnação de um espírito mau que marca certas famílias, permanece ainda como um mito em várias tribos africanas.


Origem e disperção do gene bs
Autor: Paulo Cesar Naoum

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