quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Minha infância

Hoje relembrei meus tempos de infância...
Houve um tempo em que minha imaginação acreditava que cada dia poderia ser melhor do que o outro, um tempo em que a vida era cheia de sonhos e magias; um tempo em que achava que o futuro poderia ser perfeito, que a cura chegaria. Esse tempo existiu. E em minha infância e juventude, em minha inocência e esplendor assombrados, senti que fora aberto um caminho para mim onde poderia levar a vida convivendo com a Anemia falciforme e sobreviver vencendo cada dia ou deixar a AF levar a minha vida.
 Meus pais a partir de seus 22 anos quando descobriram a AF em seus dois filhos (imagino a cabeça deles nessa época sendo tão jovens) tentavam de tudo, batiam no liquidificador fígado crú com feijão fervente e me faziam tomar a força achando que evitariam as crises da AF. Até a próxima consulta com a pediatra do HEMORIO onde eles relatavam o que me faziam tomar, eu sofria um bocado com essa receitinha horrorosa, aí vinha então a descoberta de que eu não precisava de ferro e às vezes tinha até excesso. Passaram então a perguntar antes à médica para depois fazerem as receitinhas, me foi liberado chá de picão, suco de jenipapo, mastruz com leite e outros chás, sempre lembrando-os que somente nos hidrataria. Mesmo assim as crises da AF apareciam, uma doença genética como essa não é resolvida tão simplesmente assim, mas alguns cuidados pode adiá-las por mais um tempo. Se chovia lá estava eu de meias, botas e casaco na escola, muitas vezes somente eu aparecia assim, a coordenadora da escola passou até a me perseguir pelo uso da bota que não fazia parte do uniforme, embora fosse preta  e eu tinha que ficar me explicando.
Festinhas de aniversário dos coleguinhas só podia ir se não chovesse e se não estivesse frio, eu até compreendia bem mas ficava triste, ainda mais que lá em casa a dose da AF era dupla (eu e meu irmão). Sorvete só fui experimentar lá pelos 8 ou 9 anos porque minha mãe tinha medo de nos oferecer qualquer coisa gelada, então eu e meu irmão combinamos em fazer essa pergunta a pediatra, que nos liberou em dias de muito calor. Passei a amar esses dias ensolarados, podia ir a praia tomando alguns cuidados, sorvete a vontade e usar roupas leves. Por isso quando chegava o verão eu era toda FELICIDADE e até hoje é a estação que me sinto melhor. Não tive uma infância cheia de brincadeiras e aventuras, até mesmo porque eu não me sentia bem com as brincadeiras de pega-pega, pique e correrias, me cansava facilmente e morria de vergonha de ficar "colocando os bofes pra fora" por qualquer coisinha frente as outras crianças, então eu evitava. Bem diferente de meu irmão que brincava mais e se aventurava mais, pois demorava  para se cansar e não tinha crises de dores, ele sofria mais com a icterícia (que o fez receber o apelido de Amarelão) e com o crescimento lento que sempre o levava a questionar nossa saudosa pediatra Drª Iracema Labanca. Nesse período de vida somente fiquei internada 1 vez por 12 dias com infecção urinária e meu irmão 2 vezes incluindo um Natal, mas na emergência várias vezes com dor precisei fazer transfusão, às vezes a transfusão era tb em dose dupla e eu e meu irmão, em nossa inocência, ao chegarmos em casa ficávamos como bobos apertando as bochechas para ficarmos rosados como nossos coleguinhas.

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