sexta-feira, 12 de novembro de 2010

AF na História do Brasil.

A introdução da Hb S no Brasil.

Para descrever sobre a introdução da Hb S no Brasil é fundamental conhecer as bases que deram origem à nossa população. A população brasileira se caracteriza, em geral, pela sua grande heterogeneidade genética, derivada da contribuição que lhes deram os seus grupos raciais formadores, de si também já muito diversificados, e dos diferentes graus com que eles se intercruzaram nas várias regiões do país. O processo de miscigenação pode ser analisado sob o ponto de vista da distribuição geográfica. Os Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro e a região litorânea do nordeste apresentam, de forma mais intensa a miscigenação branco–negra. O Estado da Bahia, por sua vez, e em especial a região metropolitana de Salvador, se destaca pela predominância da população negra. Já o interior do nordeste e o extremo norte (Amazonas, Pará e parte do Maranhão) se destacam principalmente pelo processo de mestiçagem branco–indígena, fato que ainda também pode ser notado nos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Na região sul do Brasil, e do Estado de São Paulo, há visível predominância de indivíduos da cor branca, motivados pelas diferentes correntes imigratórias de europeus, principalmente. Por se tratar da introdução da Hb S no Brasil, será dado destaque à entrada do negro africano no Brasil, subjugado na condição de escravo no período entre 1550 e 1850. A procedência da quase totalidade dos escravos africanos era de duas regiões: a Costa da Mina, que incluía o lugar conhecido na época por Cabo do Monte até o de Lobo Gonçalves, tendo em Ajudá o seu ponto principal de embarque para os "navios negreiros" – e Angola estendendo-se até o Cabo Negro, com seus três portos: Congo, Luanda e Benguela. De Luanda e Benguela provieram cerca de 2/3 dos escravos entrados entre 1700 e 1850 pelos portos do Rio de Janeiro e Pernambuco. O terço restante, recebido sobretudo pelo porto da Bahia, provinha da costa da Mina. Os negros de outras regiões africanas, como Cachéu, Cabo Verde, Moçambique e Madagascar tiveram pouca contribuição na presença do negro no Brasil.
Os negros, aqui introduzidos, eram povos de várias culturas, entretanto foram duas, a sudanesa e o bantú, que mais contribuíram na formação cultural do povo brasileiro. Os de origem sudanesa, caracterizados pela influência árabe, sobressaíram na agricultura, criação de gado, comércio, trabalhos de arte em ferro e bronze, e eram maometanos. Os de origem bantú tinham aptidões para serem obreiros de ferro e madeira, e eram feiticistas. Houve também um grupo numeroso, de cultura mista, proveniente da mistura de sudaneses e bantú – os guineanos. Vinham do golfo da Guiné, uma região entre o Sudão Ocidental e o Congo e de onde saía a cultura bantú; tinham os seguintes traços: atividades pastoril, organização social, e influência do islamismo. Os bantús foram sempre os preferidos no Brasil, por serem menos independentes, mais sujeitos à escravidão, mais reservados, loquazes e adaptáveis a diversas situações; aceitaram o cristianismo e as formas sociais que lhes foram impostas. O elemento mais característico do bantú foi o angolano. Mais altos que os outros negros, porém mais fracos, eram, no entanto, comunicativos e cordiais. Os mais inconformados eram os daomeanos (ou jejes), os nagôs e os maometanos (ou malês), provindos do norte da Nigéria. Os haussas, também nigerianos, foram os mais insubmissos como escravos, e encabeçaram todas as revoltas importantes da Bahia e de outras regiões. A ausência de dados oficiais comprobatórios sobre o volume de negros que aportaram no Brasil – motivada pela circular do Ministério da Fazenda, n.º 29, de 13 de maio de 1881, que ordenava a queima dos arquivos da escravidão – tem prejudicado sensivelmente estudos mais detalhados desse importante tema. Entretanto, Nina Rodrigues apresenta em sua memória "Os Africanos no Brasil" publicada em 1932, dados obtidos do primeiro jornal publicado na Bahia – "Idade de Ouro" – sobre o exato movimento comercial de escravos do porto de Salvador; nesse jornal figuram os números e nomes das embarcações entradas, a sua procedência e carga, e neste item se especifica sempre o número de escravos importados da África, mencionando até os que haviam sucumbido na travessia do Atlântico. Embora abranja poucos anos (1812 a 1820), o movimento de navios e escravos entrados no Brasil, segundo a procedência, era o seguinte:
__África setentrional: Mina, Ajudá, Bissao, Orim, Camarões. Todos de origem sudanesa. (17.691)
__África meridional: Congo, Zaire, Cabinda, Angola, Moçambique, Malambo, Quillemané,Zanzibar. Todos de origem bantú. (20.841)

Apesar do número apresentado de bantús ser superior ao de sudaneses, a verdade é o inverso, isto porque a partir de 1816 os ingleses iniciaram o combate à escravidão, que somados ao tratado de Paris (1817) e de Aix-la-Chapelle (1818), limitaram o comércio de escravos pelos portugueses. É em obediência a esses tratados que, de 1816 em diante, desapareceram os documentos oficiais sobre a procedência de escravos das regiões acima da linha do Equador, sem que, todavia, tivesse cessado sua importação. Assim, a importação clandestina de negros continuou, depois de 1817, tão vigorosa quanto antes. A quantidade de negros trazidos ao Brasil é bastante discutível, entretanto calcula-se que entre 1550 e 1850 entraram no Brasil entre 2.500.000 a 4.000.000 de indivíduos. Dessa forma, a Hb S introduzida no Brasil por negros africanos pertencentes a dois grupos culturais, o sudanes e o bantú, coincide com os resultados das análises de haplótipos que revelaram que o haplótipo Bantú é o mais prevalente em análises efetuadas em diferentes populações negras do Brasil, seguido do haplótipo Benin (que representa a cultura sudanesa) enquanto que o haplótipo Senegal é raríssimo.
A indicação das regiões de onde provieram os negros para o Brasil em análise a coincidência da suposição histórica da proveniência dos negros africanos para o Brasil é um fato recentemente comprovado por biologia molecular dos haplótipos da Hb S.

Dispersão da Hb S no estado de São Paulo

Raros grupos sociais no mundo podem afirmar terem suas raízes tão bem conhecidas quanto o paulista. A origem dos antepassados da população do estado de São Paulo é bem conhecida, a ponto de ser possível fazer a sua reconstituição com precisão. O planalto paulista – local onde se deu início a formação da população – era quase um vazio demográfico até a metade do século 16, onde o indígena não deixou marcas expressivas. A formação racial do estado de São Paulo teve início através de duas fundações: Santo André da Borda do Campo, constituída por povoação iniciada por João Ramalho, e a fundação jesuítica que se estabeleceu em 25 de janeiro de 1554 numa colina entre os vales do Anhangabaú e do Tamanduateí. Santo André representava um tipo populacional mameluco, enquanto que a fundação jesuítica tinha o predomínio de portugueses. Pela própria localização da cidade de São Paulo, estabeleceu-se um processo seletivo, pois o planalto paulista não oferecia possibilidades agrícolas comparáveis às da cana de açúcar do norte do Brasil, além do que o viajante precisava enfrentar a escalada difícil da serra do Mar. Um outro processo seletivo era a própria sobrevivência no planalto, ante os ataques dos índios, a fome, as doenças, e a temperatura muito baixa. Esses determinantes fizeram com que nesse meado do século 16 o estado de São Paulo permanecesse na pobreza, enquanto que o litoral do nordeste prosperasse devido ao comércio do pau-brasil, ao mesmo tempo em que se formavam pequenos núcleos populacionais. A aclimatação da cana de açúcar no nordeste brasileiro, principalmente na orla pernambucana, retardou o povoamento e a evolução da região sul do Brasil. A capitania de São Vicente, a mais próspera do estado de São Paulo, estagnara-se, e seus povoadores promoviam o apresamento do índio para o cultivo das lavouras, enquanto que o progresso propiciado pela cultura da cana de açúcar no nordeste brasileiro incentivaram o tráfico de africanos. A situação começou a mudar no final do século 16 quando os bandeirantes paulistas encontraram ouro além da serra da Mantiqueira. Por esse motivo, volumoso contingente populacional se dirigiu para Minas Gerais, e a prosperidade exigiu a mão-de-obra do escravo africano, mudando o fluxo no sentido nordeste para o sudeste do Brasil. Por quase duzentos anos o ouro foi explorado até se exaurir, causando a diminuição do progresso que duraria meio século. No início do século 19, um projeto organizado de plantação de café no estado de São Paulo revelou-se como grande propulsor de progresso social e cultural, deslocando o eixo econômico para São Paulo. Os primeiros cafezais foram plantados no vale do rio Paraíba, dando à região sete décadas de prosperidade. Nesse período foi requisitado grande contingente de escravos africanos, a ponto de representarem mais de 50% da população. Esse fato pode ser atestado no estudo realizado entre os anos de 1978 e 1982 por Naoum que mapeou as hemoglobinopatias no estado de São Paulo e relacionou a prevalência da Hb S com a presença do negro africano em suas diversas regiões. O estudo revelou que havia uma relação entre o aumento da prevalência da Hb S com o caminho trilhado pelo negro africano durante o ciclo do café. O estado de São Paulo e  dezenove cidades foram estudadas, identificando a prevalência de Hb S em cada uma delas em amostras de sangue obtidas de pessoas negras. Pela análise do estudo é possível observar que a efetiva introdução do negro no estado de São Paulo se deu inicialmente pelas cidades do vale do Paraíba. Quando as terras do vale tornaram-se inférteis para a plantação de café, o direcionamento cafeeiro tomou o sentido da extinta região Central, composta por Campinas e Jundiaí, e da cidade de Sorocaba já no final do século 19. Com a abolição dos escravos e a vinda de imigrantes italianos para as fazendas paulistas, a utilização da mão-de-obra de negros caiu rapidamente, coincidindo com o início da cafeicultura na região Mogiana e no oeste paulista, notadamente em Ribeirão Preto, Franca, Araraquara e Jaboticabal. Pela análise do mapa de prevalência de Hb S no estado de São Paulo é possível observar o declínio geográfico da Hb S no sentido oeste e norte, devido à diminuição da mão-de-obra escrava que foi substituída pelos imigrantes italianos e espanhóis, principalmente. Esse fato associado com a abolição da escravidão no Brasil promoveu o branqueamento da população paulista. Em 1872, os negros e mulatos constituíam 62% da população paulista. Com a abolição dos escravos em 1880 iniciou-se o declínio dos negros; em 1923 eram apenas 16%, em 1940 eram 14%, e em 1950 somente 11%. Entretanto, o gene da Hb S foi difundido entre os brancos que tiveram ancestrais negros, conforme mostra o estudo que relaciona a prevalência de Hb S entre as pessoas brancas nas mesmas cidades em que foram analisadas as pessoas negras. Observa-se que entre pessoas brancas o gene da Hb S está presente em todas as cidades estudadas.
- Na disposição geográfica das cidades estudadas do Estado de São Paulo referente à amostragem da população negra submetida à análise de hemoglobinas. Observa-se que a maior prevalência da Hb AS obedece "um caminho" que tem relação com a colonização do Estado de São Paulo e a utilização da mão-de-obra do escravo africano, a partir da região do vale do Paraíba em direção à antiga região central composta por Campinas, Jundiaí e Sorocaba.
 - Na disposição geográfica das cidades estudadas do Estado de São Paulo referente à amostragem da população branca submetida à análise de hemoglobinas. Observa-se que em todas as cidades do Estado de São Paulo o gene para Hb AS está presente em suas populações, indicando a miscigenação branco-negra, com maior ou menor intensidade entre as diferentes cidades.


Origem e disperção do gene bs
Autor: Paulo Cesar Naoum


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