sábado, 6 de novembro de 2010

Começando...

   No ano em que o primeiro diagnóstico da Anemia Falciforme completa 100 anos, resolvi escrever nesse blog com o intuito de ajudar a divulgar cada vez mais a doença para que seja mais conhecida pela sociedade, para trocar conhecimentos e experiências com os portadores da AF, já que sou também uma portadora da forma mais grave, uma SS.
   Meus pais começaram a descobrir meu problema quando eu tinha 7 meses, apresentei a síndrome mão-pé ou seja, DACTILITE FALCÊMICA (inflamação nas articulações causando inchaço nos pés e mãos acompanhado de dores e arroxeamento do local), ao "engatinhar" minhas mãos ficavam direto no chão e a friagem fazia esse sintoma aparecer. Fui levada a um médico particular que pedia exames, constatava a Anemia Falciforme, mas não acreditava que eu pudesse ter uma "doença de negros" sendo loira e com pais brancos.O médico era particular e vivia requisitando exames e renovando as consultas, por fim, meu pai não aguentou mais ter um diagnóstico em que o médico não acreditava e nada era feito, onde somente se gastava dinheiro. Fui então levada para o Hospital Menino Jesus, lá uma médica nos atendeu, pediu os exames e quando o resultado chegou confirmou o diagnóstico da Anemia Falciforme, mas teve a infeliz idéia de dizer para minha mãe que o fígado desses doentes com o tempo se desfazia ( Até na Medicina a ignorância sobre a doença ainda é grande). Minha mãe de resguardo do meu irmão, passou algum tempo com problemas de memória tal foi o susto que ela tomou, chegou a esquecer a data de nascimento dos filhos quando teve que abrir um prontuário médico. Para piorar mais, meu irmão também tinha a mesma doença ( meu irmão faleceu aos 25 anos com pneumonia, nunca aceitou, no seu íntimo, a Af embora, frequentasse todas as consultas e tomasse os medicamentos indicados. Vivia sempre tentando ultrapassar suas limitações).
   Fui transferida para o HEMORIO com 5 anos e  hoje com 39 anos continuo sendo paciente de lá.
   Tive uma criação consciente de minhas limitações, mas nunca fui colocada numa redoma de vidro. Fui incentivada aos estudos, a vencer os obstáculos, jamais desistir dos ideais, ser informada e lutar sempre. Filha de militar, tinha que seguir a risca essa "receita" de vida. Já da parte de minha mãe aprendia a orar e ter fé.
   Meus pais faziam de tudo para que as crises fossem as mínimas possíveis: boa hidratação, boa alimentação e exercícios físicos moderados para melhorar a oxigenação (toda folga do meu pai tínhamos que praticar caminhada, polichinelo e andar de bicicleta no solzinho da manhã, depois muito suco de laranja com beterraba e cenoura.).
   Pude estudar e quando ficava em crise pegava a matéria com os colegas, sofremos discriminação pela mãe de uma colega que foi a direção da escola reclamar que eu e meu irmão tínhamos os olhos amarelos (na verdade meu irmão tinha os olhos bem amarelos e fez com que ela acabasse observando os meus, que quase não se notavam) e devíamos estar com hepatite, não podendo estudar dessa forma com outras crianças, eu estava na antiga 1ª série e meu irmão na Classe de Alfabetização, minha mãe teve que comparecer a direção para explicações. Observei que minha coleguinha de sala pouco se aproximava de mim. Mas meus pais não deixaram que sofrêssemos com isso, nos contou essa história bem superficialmente na época, como se fosse uma simples dúvida que a mãe dessa coleguinha tinha.
   Segui em frente estudando... me formei professora, passei em concursos públicos, fiz faculdade de Biologia e hoje sigo trabalhando e continuo estudando, fazendo especializações, extensões em Biologia e programando um mestrado.

2 comentários:

  1. Hum, eu acho que temos um monte de coisas em comum... A começar pela AF, a formação acadêmica....
    Me visite, e vamos ver se trocamos mais experiências.
    Um abraço!

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  2. Luciene, parabéns pela força e parabéns aos seus pais também. Imagino como eles devem ter sofrido com teu irmão, pois passei muito tempo de minha vida com a revolta de meu filho em relação a AF. Agora, ele com 28 anos de idade, pai de uma linda menina que vai fazer 3 anos (e não tem AF) parece estar mais conscinetizado e lidando bem com a AF. Toma hidroxiureia e quase não tem crises, mas infelizmente desenvolvou hipertensão pulmonar, o que foi um choque pra nós, mas levantamos a poeira e estamos dando a volta por cima... de novo!!!
    Bjs

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