sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Lembra das aulas de Biologia? _Mutação e Seleção Natural_

Origem e disperção do gene bs
Autor: Paulo Cesar Naoum

A mutação que deu origem à Hb S


    Estudos antropológicos associados às análises biomoleculares sugerem que o gene da globina bS, ou gene da Hb S, surgiu por um processo de mutação de bases nitrogenadas ocorrido entre 50 e 100 mil anos, abrangendo os períodos Paleolítico e Mesolítico. Esses mesmos estudos indicam a África como o local provável da ocorrência da mutação na fase coincidente à presença do Homo sapiens neanderthalis (há 100 mil anos) e do Homo sapiens sapiens (há 50 mil anos). A causa que motivou a troca de uma base nitrogenada (adenina) por outra (timina), cuja tradução molecular substituiu o aminoácido glutâmico pela valina na posição número 6 da globina beta, ainda permanece desconhecida. Se considerarmos as evidências científicas obtidas após as descobertas dos fósseis do H. sapiens neanderthalis e do H. sapiens sapiens nas regiões norte, centro e sul da África, é possível admitir que o processo da mutação que deu origem à Hb S foi multi-regional. Essa hipótese foi comprovada há pouco mais de dez anos através do mapeamento do cromossomo 11, especificamente da região do agrupamento de genes da globina tipo beta (e, gG, gA, yb, d e b). Por meio da análise de onze regiões polimórficas do agrupamento de genes de globina tipo beta, determinadas pela aplicação de enzimas capazes de quebrar ligações entre bases nitrogenadas específicas (enzimas ou endonucleases de restrição), foi possível concluir que o segmento cromossômico entre os genes e, g, d, e bS pode conter diferentes seqüências de bases nitrogenadas ou haplótipos que são específicas para determinadas populações ou grupos étnicos.
- Seqüência de polimorfismos do agrupamento de genes da globina bS no cromossomo 11. Caracterização dos cinco haplótipos: Senegal, Benin, Bantú, Saudita e Camarões.         Embora o produto final seja a síntese de Hb S, há pelo menos três grupos populacionais na África com segmentos cromossômicos diferentes e caracterizados pela disposição seqüencial específica de bases nitrogenadas; esses três grupos distribuídos em regiões geográficas distintas foram denominados por Senegal, Benin, Bantú. Além desses três grupos, dois outros grupos étnicos muito pequenos foram descritos por terem haplótipos diferentes daqueles já descritos, sendo um caracterizado em pessoas provenientes do sudeste de Camarões e o outro pertencente a uma tribo conhecida por homens do mato (Eton "people" ou Bushmen), caracterizando o haplótipo Camarões. Entretanto, a teoria da origem multicêntrica do gene da Hb S passou a ter considerável credibilidade quando identificaram outro haplótipo diverso dos quatro anteriores (Senegal, Benin, Bantú e Camarões) entre populações do leste da Arábia Saudita e em grupos tribais da Índia. Esse haplótipo de Hb S denominado por Árabe-Indiano está difundido notadamente em populações do leste da Arábia Saudita, Bahrain, Kuwait e Oman.
 – As prováveis três áreas (1: Senegal; 2: Benin; 3: Bantú) cujas populações foram afetadas pela mutação que deu origem à Hb S. A quarta área identificada por Árabe-Indiano fundamenta a suposição que a Hb S teve origem multicêntrica.
Uma outra questão a respeito da origem da Hb S se refere ao fato de que a mutação tenha ocorrido apenas uma vez, ou mais de uma vez. Alguns pesquisadores envolvidos neste assunto admitem que a mutação ocorreu apenas uma vez em uma determinada época entre os períodos Paleolítico e Mesolítico. Entretanto há três restrições que contrapõem essa hipótese: primeira: a mutação poderia ter ocorrido mais de uma vez, porém desapareceu da população por mecanismos semelhantes à deriva genética(a), ou ao fluxo genético(b), bem como à pressão seletiva(c); segunda: a mutação poderia ter aparecido mais que uma vez, porém no mesmo haplótipo – sendo, portanto, indetectável; terceira: as regiões polimórficas do gene da globina beta ainda não estão totalmente estabelecidas para afirmar categoricamente que a mutação tenha ocorrido apenas uma vez. a) Segundo o geneticista Brito da Cunha (1966), "as mudanças evolutivas geridas pela seleção natural são sempre adaptativas, o que não acontece com as produzidas pela deriva genética. Algumas vezes a deriva genética foi invocada para explicar diferenças de freqüências gênicas entre populações, quando não se via como os caracteres em questão pudessem apresentar valores adaptativos. Isto aconteceu também com as inversões. A demonstração posterior de importância adaptativa desses caracteres e das inversões tem sido um contínuo tema de debates. b) Fluxo gênico ou fluxo genético significa a entrada ou saída recorrente de genes de uma população por processos migratórios. c) Pressão seletiva se deve a um agente orgânico ou inorgânico que impede ou estimula determinado gene mutante. Por outro lado, o grupo de pesquisadores que supõe a múltipla ocorrência da mutação da Hb S se apoiam no fato da presença dos cinco haplótipos descritos até o presente, e assim propõe que a origem da Hb S se deu em cinco ocasiões diferentes, e foram favorecidas pelo efeito protetivo da Hb S em portadores heterozigotos frente à infecção do Plasmodium falciparum ( agente da Malária). Apesar do extraordinário desempenho das técnicas de biologia molecular no estudo dos haplótipos do gene da globina bS associados aos aspectos antropológicos e evolutivos, a questão da origem monocêntrica ou multicêntrica, bem como sobre o efeito protetivo da Hb S contra a malária, ainda permanece em discussão.


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