Jornal Estado de Minas | 10/10/2013
Pela
primeira vez, um medicamento consegue agir de maneira simultânea em duas
frentes de tratamento para amenizar a anemia falciforme, além de não
causar os efeitos tóxicos característicos das intervenções tradicionais.
A façanha é fruto da cooperação entre pesquisadores da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), da Universidade de Campinas (Unicamp) e da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Batizado de Lapdesf1, o
fármaco teve a eficácia comprovada em testes com camundongos
geneticamente modificados e pode revolucionar o tratamento de uma doença
que causa a deformação das hemácias.
Jean Leandro dos Santos, da Unesp, foi um
dos responsáveis pelo desenvolvimento da substância. Ele conta que a
ideia inicial de desenvolver pesquisas voltadas para o tratamento da
doença veio de um aluno da universidade que tem o problema. “Começamos a
trabalhar em uma linha que eliminasse os efeitos maléficos existentes
nos compostos atuais”, explica. “Essa substância vai representar um
grande avanço. Existe ainda a possibilidade de usá-la para outras
doenças hematológicas.”
Os pesquisadores exploraram as propriedades existentes em duas drogas: a
hidroxiureia e a talidomida. Os dois compostos, apesar de colaborarem
para reduzir os efeitos da anemia falciforme, apresentam efeitos
adversos fortes. A hidroxiureia, principal substância utilizada no
tratamento contra a enfermidade hoje, como outros quimioterápicos, pode
causar náuseas, convulsões, dores de cabeça e consequências mais graves,
como diminuir a produção de células da medula óssea e afetar as células
reprodutivas. Usada no tratamento de câncer, hanseníase e lúpus, a
talidomida teve a propriedade anti-inflamatória explorada.
“Desde o início, pensamos em produzir uma substância sem os efeitos
tóxicos. Descartamos o que havia de negativo na estrutura química da
hidroxiureia e da talidomida e utilizamos as propriedades benéficas”,
conta Santos, reforçando, em seguida, que o Lapdesf1 age ao mesmo tempo
em duas áreas de abordagem contra a doença.
Doutora em hematologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),
Maria Stella Figueiredo afirma que a ideia de juntar as características
dos dois medicamentos representa uma inovação. A especialista explica
que, apesar de ter se mostrado efetiva no tratamento da doença
falciforme, a hidroxiureia pode levar a complicações indesejáveis. “A
ideia de associá-la à talidomida por sua ação anti-inflamatória
constitui uma inovação no tratamento dessa doença.”
A anemia falciforme, de acordo com Figueiredo, é negligenciada, e isso
pode ser observado pelo número baixo de estudos que buscam formas de
tratamento. “Uma droga que melhore as condições da doença é sempre
bem-vinda devido ao baixo número de opções terapêuticas que temos”,
avalia. Apesar de algumas evoluções no diagnóstico e de uma compreensão
melhor do mal hereditário, a falta de melhores possibilidades de
tratamento contribui para que o quadro dos pacientes com anemia
falciforme seja preocupante. É o que acredita a professora da
Universidade de Brasília (UnB) e especialista em hematologia pediátrica
Silvana Fahel. “Ela continua a apresentar altos índices de mortalidade,
pois as medidas terapêuticas ainda são insuficientes.”
Em ratos
A Unicamp foi responsável por grande parte da fase de testes do novo
medicamento. O Lapdesf1 foi colocado à prova em camundongos
geneticamente modificados com um quadro muito próximo ao da anemia
falciforme. Após estudos preliminares, os pesquisadores da universidade
firmaram uma colaboração internacional para testar o fármaco nos
camundongos transgênicos. Os testes aconteceram durante um período de
três meses em um laboratório da Georgia Regents University, nos Estados
Unidos.
Os resultados confirmaram a eficácia do fármaco para o tratamento da
doença e a ausência dos efeitos tóxicos. “O Lapdesf1 foi capaz de
aumentar significativamente os níveis de hemoglobina fetal para a anemia
falciforme. Além disso, foi possível verificar a potente ação
anti-inflamatória”, afirma Carolina Lanaro, pesquisadora do Laboratório
de Hemoglobina e Genoma do Hemocentro. A hemoglobina fetal reduz o risco
de obstrução dos vasos sanguíneos, a vaso-oclusão, que desencadeia as
crises de dor.
Os pesquisadores buscam agora parcerias que viabilizem o teste em
pacientes humanos, a última fase do projeto. “Sem essa colaboração,
torna-se impossível realizarmos esses testes”, afirma Lanaro. “Como em
termos de saúde pública o composto pode ser muito importante, o próprio
governo seria um parceiro importante”, complementa Jean Leandro dos
Santos, da Unesp.
A anemia falciforme é uma das doenças hereditárias mais prevalentes no
Brasil. Estima-se que existam mais de 50 mil afetados e que, anualmente,
nasçam 3 mil crianças com a enfermidade e 180 mil com o traço
falcêmico, pessoas que recebem dos pais um gene da hemoglobina
defeituosa e outro da hemoglobina normal. Ainda não é possível afirmar
em quanto tempo o fármaco estará disponível para o tratamento, mas a
previsão dos pesquisadores, segundo o Santos, é de que leve de quatro a
cinco anos.
Proibição e controle
Inicialmente usada como sedativo e contra náuseas, a talidomida foi
retirada do mercado em todo mundo nos anos de 1960 após a constatação de
que provocava malformações em recém-nascidos. Ele retornou ao mercado
nos anos de 1990. No Brasil, porém, o uso é controlado e a produção,
restrita a laboratórios públicos.
Três perguntas para...
Sara Olalla Saad, professora do Centro de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp
Como a senhora avalia a gravidade e os problemas causados pela anemia falciforme?
Imagine um paciente diabético desde o nascimento. A doença falciforme é
pior que isso, pois os efeitos sistêmicos são muito maiores que os do
diabetes. A doença piora gradativamente, pois não há como coibir os
efeitos enormes da inflamação e da vaso-oclusão a que esses pacientes se
expõem diariamente. Essas doenças são muito graves porque são crônicas,
se estabelecem próximo ao nascimento e causam deterioração paulatina de
todos os órgãos por toda a vida.
Quais são as dificuldades no tratamento?
Não há drogas eficazes. A hidroxiureia melhora um pouco a lesão dos
órgãos e as dores crônicas e agudas, mas não resolve totalmente. Além
disso, temos sofrido alguma descontinuação da oferta dessa droga, pois
ela é relativamente barata e os laboratórios farmacêuticos têm pouco
interesse em fabricá-la.
A senhora acredita que a anemia falciforme e o tratamento dela são ainda negligenciados?
Houve grande melhora no entendimento pelo SUS da doença e no apoio ao
tratamento, mas precisamos melhorar muito. O país, por exemplo, ainda
não aprovou o transplante de medula para esses pacientes. Isso é um
absurdo. Nós, os médicos, que vemos o sofrimento desses pacientes ao
longo da vida, não conseguimos entender por que não se corta o mal pela
raiz. O benefício do transplante, nesses casos, apesar das complicações
que podem eventualmente acontecer, é muito maior. Acho que esse é o
grande negligenciamento atual da doença.
Anemia is the condition of having less than the normal number of red blood cells or less than the normal quantity of hemoglobin in the blood. I'm consulting web health network for treatment of anemia and I hope you also can be benefited with there help.
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