quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Brasil produz medicamento para anemia falciforme sem efeitos tóxicos.

Jornal Estado de Minas | 10/10/2013
 
Pela primeira vez, um medicamento consegue agir de maneira simultânea em duas frentes de tratamento para amenizar a anemia falciforme, além de não causar os efeitos tóxicos característicos das intervenções tradicionais. A façanha é fruto da cooperação entre pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Batizado de Lapdesf1, o fármaco teve a eficácia comprovada em testes com camundongos geneticamente modificados e pode revolucionar o tratamento de uma doença que causa a deformação das hemácias.
 Jean Leandro dos Santos, da Unesp, foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento da substância. Ele conta que a ideia inicial de desenvolver pesquisas voltadas para o tratamento da doença veio de um aluno da universidade que tem o problema. “Começamos a trabalhar em uma linha que eliminasse os efeitos maléficos existentes nos compostos atuais”, explica. “Essa substância vai representar um grande avanço. Existe ainda a possibilidade de usá-la para outras doenças hematológicas.”

Os pesquisadores exploraram as propriedades existentes em duas drogas: a hidroxiureia e a talidomida. Os dois compostos, apesar de colaborarem para reduzir os efeitos da anemia falciforme, apresentam efeitos adversos fortes. A hidroxiureia, principal substância utilizada no tratamento contra a enfermidade hoje, como outros quimioterápicos, pode causar náuseas, convulsões, dores de cabeça e consequências mais graves, como diminuir a produção de células da medula óssea e afetar as células reprodutivas. Usada no tratamento de câncer, hanseníase e lúpus, a talidomida teve a propriedade anti-inflamatória explorada.

“Desde o início, pensamos em produzir uma substância sem os efeitos tóxicos. Descartamos o que havia de negativo na estrutura química da hidroxiureia e da talidomida e utilizamos as propriedades benéficas”, conta Santos, reforçando, em seguida, que o Lapdesf1 age ao mesmo tempo em duas áreas de abordagem contra a doença.

Doutora em hematologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Maria Stella Figueiredo afirma que a ideia de juntar as características dos dois medicamentos representa uma inovação. A especialista explica que, apesar de ter se mostrado efetiva no tratamento da doença falciforme, a hidroxiureia pode levar a complicações indesejáveis. “A ideia de associá-la à talidomida por sua ação anti-inflamatória constitui uma inovação no tratamento dessa doença.”

A anemia falciforme, de acordo com Figueiredo, é negligenciada, e isso pode ser observado pelo número baixo de estudos que buscam formas de tratamento. “Uma droga que melhore as condições da doença é sempre bem-vinda devido ao baixo número de opções terapêuticas que temos”, avalia. Apesar de algumas evoluções no diagnóstico e de uma compreensão melhor do mal hereditário, a falta de melhores possibilidades de tratamento contribui para que o quadro dos pacientes com anemia falciforme seja preocupante. É o que acredita a professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em hematologia pediátrica Silvana Fahel. “Ela continua a apresentar altos índices de mortalidade, pois as medidas terapêuticas ainda são insuficientes.”

Em ratos
A Unicamp foi responsável por grande parte da fase de testes do novo medicamento. O Lapdesf1 foi colocado à prova em camundongos geneticamente modificados com um quadro muito próximo ao da anemia falciforme. Após estudos preliminares, os pesquisadores da universidade firmaram uma colaboração internacional para testar o fármaco nos camundongos transgênicos. Os testes aconteceram durante um período de três meses em um laboratório da Georgia Regents University, nos Estados Unidos.

Os resultados confirmaram a eficácia do fármaco para o tratamento da doença e a ausência dos efeitos tóxicos. “O Lapdesf1 foi capaz de aumentar significativamente os níveis de hemoglobina fetal para a anemia falciforme. Além disso, foi possível verificar a potente ação anti-inflamatória”, afirma Carolina Lanaro, pesquisadora do Laboratório de Hemoglobina e Genoma do Hemocentro. A hemoglobina fetal reduz o risco de obstrução dos vasos sanguíneos, a vaso-oclusão, que desencadeia as crises de dor.

Os pesquisadores buscam agora parcerias que viabilizem o teste em pacientes humanos, a última fase do projeto. “Sem essa colaboração, torna-se impossível realizarmos esses testes”, afirma Lanaro. “Como em termos de saúde pública o composto pode ser muito importante, o próprio governo seria um parceiro importante”, complementa Jean Leandro dos Santos, da Unesp.

A anemia falciforme é uma das doenças hereditárias mais prevalentes no Brasil. Estima-se que existam mais de 50 mil afetados e que, anualmente, nasçam 3 mil crianças com a enfermidade e 180 mil com o traço falcêmico, pessoas que recebem dos pais um gene da hemoglobina defeituosa e outro da hemoglobina normal. Ainda não é possível afirmar em quanto tempo o fármaco estará disponível para o tratamento, mas a previsão dos pesquisadores, segundo o Santos, é de que leve de quatro a cinco anos.

Proibição e controle
Inicialmente usada como sedativo e contra náuseas, a talidomida foi retirada do mercado em todo mundo nos anos de 1960 após a constatação de que provocava malformações em recém-nascidos. Ele retornou ao mercado nos anos de 1990. No Brasil, porém, o uso é controlado e a produção, restrita a laboratórios públicos.

Três perguntas para...
Sara Olalla Saad, professora do Centro de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp

Como a senhora avalia a gravidade e os problemas causados pela anemia falciforme?
Imagine um paciente diabético desde o nascimento. A doença falciforme é pior que isso, pois os efeitos sistêmicos são muito maiores que os do diabetes. A doença piora gradativamente, pois não há como coibir os efeitos enormes da inflamação e da vaso-oclusão a que esses pacientes se expõem diariamente. Essas doenças são muito graves porque são crônicas, se estabelecem próximo ao nascimento e causam deterioração paulatina de todos os órgãos por toda a vida.

Quais são as dificuldades no tratamento?
Não há drogas eficazes. A hidroxiureia melhora um pouco a lesão dos órgãos e as dores crônicas e agudas, mas não resolve totalmente. Além disso, temos sofrido alguma descontinuação da oferta dessa droga, pois ela é relativamente barata e os laboratórios farmacêuticos têm pouco interesse em fabricá-la.

A senhora acredita que a anemia falciforme e o tratamento dela são ainda negligenciados?
Houve grande melhora no entendimento pelo SUS da doença e no apoio ao tratamento, mas precisamos melhorar muito. O país, por exemplo, ainda não aprovou o transplante de medula para esses pacientes. Isso é um absurdo. Nós, os médicos, que vemos o sofrimento desses pacientes ao longo da vida, não conseguimos entender por que não se corta o mal pela raiz. O benefício do transplante, nesses casos, apesar das complicações que podem eventualmente acontecer, é muito maior. Acho que esse é o grande negligenciamento atual da doença.

Retomando esse espaço.

Depois de muito tempo...retorno a esse cantinho.
Ocupada com muitas coisas...filho, marido, trabalho e minha Pós-Graduação em Educação Ambiental (mais um degrau conquistado). Haja tempo para fazer essa monografia da Pós!
Fim de semana passado mais uma crise da AF, dor muito forte, mais uma vez a "visita" ao Hemorio... Mas não desisto, fico fraca, chateada, me sentindo impotente e mesmo assim tenho que dar a volta por cima.
Não adianta eu ficar olhando um ponto fixo no mapa da minha vida e esquecer o derredor. Existem os momentos sem crises, as conquistas, a vida a ser vivida como todo mundo no que me é possível...
Não posso ficar desanimada, só me dou o direito de às vezes estar desanimada, estar fraca, estar chateada. Permanecer...jamais!